João Guimarães Rosa: O bruxo do Sertão

Por Aristides Theodoro 29/03/2022 - 11:15 hs

Terminei a leitura de Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Um livro estranho, onde um maluco palavroso (Riobaldo Tatarana) nos toma pela mão e começa a montar uma estória absurda, cheia de rodeios, às vezes sem nexo, contraditória, em que as presenças de Deus e do Diabo são negadas a todo instante e ao mesmo tempo confirmadas: - “Nonada, o diabo existe e não existe?”

Grande sertão: veredas é uma rapsódia muito comentada e pouco lida que assombra o leitor não iniciado no autor de No Urubùquaquà, no Pinhé: vide esta grafia na 3ª edição, da Livraria José Olympio (1965); sua verbalização medonha, excessiva e sua invencionice além do comum. Qual é o ponto alto desse livro?...A invencionice, a criação de viventes absurdos, amalucados ou a dualidade entre Deus e o Diabo?...Neste, Guimarães Rosa retoma a velha lenda pactária, do homem vendendo a própria alma ao Diabo, tema bem explorado pelos alemães, Goethe no seu famoso o Fausto e Thomas Mann, em Doutor Fausto.

Grande sertão: veredas possui vários pontos altos - trata-se de um livro soberbo, diferente de tudo que se vê por aí: nele, o narrador conduz o leitor com a sensibilidade  à flor da pele, assim como ferro em forno de alta temperatura. A meu ver, o julgamento de Zebebelo é um dos pontos culminantes da narrativa, com seus lances medievalescos. Destaco ainda a morte do jagunço Diadorim, personagem estranho, dúbio, que por trás de um chapéu quebrado na testa e uma armadura de couro de mateiro, esconde a  figura de uma mulher, por quem Riobldo Tatarana, sem que disso soubesse, se deixava perder de amores. Amor esse que nunca pode ser revelado, pois só bem mais tarde, após a morte der Diadorim, veio a constatar-se, ao lavarem o corpo para ser enterrado, que se tratava de “Maria Deodorina da Fé Betancourt Marins, filha de um certo Joca Rmires, nascida em 11 de setembro da era de 1.800 e tantos”.

Alguns personagens desse livro impressionam vivamente, uns pela coragem, outros pela obstinação e pelo gosto de estar sempre se expondo em contato com o perigo. Gente como Riobaldo, o Urutu Branco, narrador da estória; Joca Ramiro, pai de Diadorim; Medeiro Vaz, Titão Passos, Marcelino Pampa, Zé Bebelo, Hermógenes, o cego Borromeu, o negrinho Gurigó, Ricardão, João Goanhá, Otacília, Rincha-Mãe, Sangue d’Outro, Muitos-Beiços, Fancho Bode, Trecisiano, Azinhavre e tantos outros jagunços destemidos, que varavam o Grande Sertão de norte a sul, de leste a oste, isso, se chovesse ou fizesse sol. 

(*) Aristides Theodoro, natural de Utinga na Bahia, residente em Mauá desde os anos 50. Autodidata, jornalista, co-fundador do CBP – Colégio Brasileiro de Poetas (em Mauá) é autor de 26 livros publicados e 23 inéditos. Entre as suas premiações está a mais recente – a do PROAC – Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo, que contemplou o projeto: Iracema M. Régis e sua trajetória literária – talvez uma biografia -, Futurama Editora, São Paulo-SP/2021.