Café com leite

Por Iracema M. Régis 29/03/2022 - 11:56 hs

São Paulo, tarde de domingo, aproximadamente 16,00h e 30min.

Druvá, a remoer suas atividades literárias (ler, escrever, participar de recitais poéticos, palestras, conferências, tardes de autógrafos, visitas a exposições, feiras - bienais e outras), caminhava sob a garoa fina, rumo a casa. Fecha o casaco à altura do peito, soca as mãos nos bolsos, inclina a cabeça a escapar do vento cortante que lhe açoita as faces. Segue. Os pés quase congelados (apesar de meias e botas) os levam a uma padaria simples, de esquina, conjugada por apenas duas palavras: “Pães e Doces”.

Druvá sempre apreciou o ambiente das confeitarias, desde as mais acanhadas até as mais sofisticadas, que aprendera a conhecer na prática e através de leituras. Entra, senta-se ao fundo e pede um café com leite (em outras ocasiões certamente pediria algo mais forte). De forma geral essas pequenas confeitarias são freqüentadas quase exclusivamente por homens, alguns casais e raramente por mulheres desacompanhadas. Era o que se via naquele momento: vários marmanjões tomando a sua bebida; bêbados e gentes do cotidiano adquirindo o seu indefectível pãozinho francês e outras iguarias.

Naquele ínterim uma mulher, entrada nos seus quarenta e poucos anos, coberta por uma calça de moleton (batida) e uma blusa de mangas escorropichadas, achega-se ao pé do balcão e apresenta uma caneca ao atendente mais próximo. Nos pés sem meias um chinelo de dedos, rente ao chão.

Não se ouve a conversa entre o balconista e um senhor de madeixas grisalhas (que julgamos ser o dono do estabelecimento). Todavia, pelo gestual do primeiro, entende-se a negativa. A mulher sai.

Pela janela transversal, Druvá observa que a mulher passa a recolher coisas do chão. Ele, por sua vez, questiona-se: afinal, o que ela pedira? Bebida alcoólica? Se fosse o caso, talvez houvesse conseguido: (lembrou-se de um amigo, na sua juventude, que fazia questão de ofertar uma pinga a quem quisesse. Mas não adiantava o sujeito mendigar um leite, café puro, os dois juntos ou algo parecido. Ele se negava terminantemente).

O rapaz, já ressentido pela atitude do proprietário e com a falta de solidariedade dos homens ali presentes, tomou uma decisão: debruçado à janela, indagou sobre o que pedira: um cafezinho? A afirmativa, de cabeça, fora a resposta.

O inveterado solteirão solicitou-lhe o copo, pagou o café junto à sua conta e em seguida ofereceu à mulher.

Saiu. Antes de atravessar a avenida, olhou discretamente para trás e viu-a aconchegada num canto do batente a sorver o líquido reparador.

Mesmo assim, Druvá foi-se embora levando uma angústia no peito: não perguntara se ela preferia o seu cafezinho, com leite, ou não. 

(*) Iracema M. Régis nasceu em Limoeiro do Norte – CE e reside em Mauá, desde 1975. Formada em jornalismo, é autora de 33 títulos publicados. Dentre as suas várias premiações estão Babilônia de papel (ensaios e resenhas), Argamasssa (e mais catorze poemas sobre Mauá), ambos premiados pelo FAC – Fundo de Assistência à Cultura, de Mauá, e a atual contemplação do PROAC – Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo ao seu projeto: O menino Davi e sua caderneta mágica (Literatura de Cordel), Futurama Editora, São Paulo-SP/2021.