Coronavírus nas superfícies
No início da pandemia, muitas pessoas
passavam horas na pia para lavar tudo o que chegava do supermercado. Ficavam
até tontos de tanto jogar álcool nos sacos plásticos, ensaboavam, um por um, os
tomates, as maçãs, o mamão, as peras, as jabuticabas. Depois, enxaguava e
enxugava antes de guardar na geladeira. A depender do volume de compras, a
operação durava meia hora ou mais, período em que lastimava o desperdício de um
tempo.
Esses cuidados tinham origem num
estudo laboratorial publicado em março de 2020, que revelara a presença do
coronavírus por vários dias em plásticos e superfícies metálicas. Os achados
reforçavam a afirmação da Organização Mundial da Saúde, divulgada no mês
anterior, de que o coronavírus também se disseminava pelo contato com
superfícies contaminadas.
Uma tarde, com vontade de chorar
diante de uma montanha de batatas, cenouras, abobrinhas e berinjelas, recebi
uma visita rara: a do bom senso. Pensei: se o mecanismo de transmissão desse
vírus é semelhante ao da gripe,
quantas vezes fiquei gripado porque comi um tomate ou uma mexerica?
No mesmo momento, fui assaltado por
outra dúvida: por que preciso deixar meus sapatos na área de serviço? Alguma
vez peguei gripe depois de deitar no tapete da sala?
Em julho de 2020, um grupo da
Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, publicou um estudo com a seguinte
conclusão: “as superfícies não estão entre os meios importantes de transmissão”.
Com a progressão da epidemia, surgiram
evidências de que a maioria das transmissões ocorria por meio das gotículas
maiores e menores (aerossóis) expelidas ao falar, tossir ou respirar. Na
conclusão, os autores escreveram: “Embora possível, a transmissão por contato
com superfícies não representa um risco significativo”.
Em dezembro, a engenheira ambiental
Ligia Marr escreveu no “Washington Post”: “Está cada vez mais claro que a
transmissão por inalação de aerossóis formados por microgotas dispersas no ar é
o modo dominante de transmissão”. Segundo ela, os cuidados excessivos com a
desinfecção de superfícies demandam tempo e recursos que deveriam ser aplicados
na melhoria da ventilação dos ambientes.
A ideia de que o coronavírus seria
transmitido com facilidade por superfícies e objetos contaminados veio por
analogia com outros agentes infecciosos. Nos hospitais, algumas bactérias (como
o estafilococo resistente) e certos vírus (como o sincicial respiratório)
podem se espalhar pelas mesas de cabeceira, grades de cama e até pelos
estetoscópios dos médicos.
Os primeiros testes com o coronavírus
apontaram na mesma direção: no ambiente hospitalar, garrafas de água, óculos e
outros objetos testaram positivo para o RNA do vírus. Em pias e chuveiros de
residências com doentes e em mesas de restaurantes, também. E pior, as
pesquisas mostravam que a contaminação persistia por dias.
Em abril de 2020, um estudo mostrou
que, em superfícies de plástico ou de aço, o RNA do vírus chegava a persistir
por 6 dias; nas cédulas de dinheiro, 3 dias; em máscaras cirúrgicas, 7 dias;
nas roupas, 8 horas.
O fato de detectar a presença do RNA
viral, no entanto, não quer dizer que ali existam vírus viáveis. As partículas
virais encontradas nesses experimentos são incapazes de infectar células, em
laboratório. Além disso, as condições laboratoriais são diferentes daquelas do
cotidiano.
Um grupo americano da Universidade
Tufts calculou a probabilidade de contrair covid ao
tocar maçanetas de portas e botões nos sinais de tráfego nos cruzamentos para
pedestres, de uma cidade de Massachusetts. Com base nos níveis de RNA viral
encontrado e na frequência da manipulação desses locais, o risco calculado foi
abaixo de 5 em cada 10 mil.
Embora seja impossível descartar a
possibilidade de adquirir a infecção ao tocar uma superfície ou um objeto, os
dados mostram que essa forma de transmissão é muito rara.
Em vez de perder horas do seu dia
lavando tudo o que entra em casa, lave as mãos com frequência, use máscara ao
sair e ventile ao máximo os ambientes em que estiver.
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