Transformador Cultural
De Remanso a Mauá: a trajetória de Caio Evangelista
Não há como negar que a região metropolitana de São Paulo
seja um lugar multicultural. O território, composto pela capital paulista e por
outras 38 cidades em suas cercanias, abriga aproximadamente 21,9 milhões de
habitantes, conforme dados do último Censo realizado pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), e tornou-se o lar de pessoas oriundas
de todo o Brasil e de outros países, que para cá vieram em busca de novas
oportunidades. E essa migração/imigração para a região, trouxe entre diversas
contrapartidas positivas, uma enorme bagagem cultural que influenciou,
influencia e seguirá influenciando milhões.
Dentro deste universo, sempre há personalidades que se destacam por meio de sua atuação e contribuições. E esse é exatamente o caso do personagem desta matéria, o ator, produtor e escritor Caio Evangelista, que ao longo das últimas décadas foi peça fundamental no crescimento cultural de Mauá e da região.
De Edmilson a Caio
"Uma vez, em uma missa que era feita a meia-noite da
crucificação de Cristo em vigília na igreja, eu fingi que estava doente para
minha mãe me levar. Observei a missa fascinado. No dia seguinte, tinha muita
gente em casa para passar o feriado da Sexta-Feira Santa e eu, com sete anos,
peguei uma toalha de mesa e vim como padre celebrando a missa, pegando bijus e
oferecendo como se fosse hóstias. E as pessoas ficaram extasiadas assistindo
aquilo. E depois não parei mais".
O breve relato acima retratado por Caio Evangelista ilustra
perfeitamente como ele começou a descobrir, ainda durante sua infância em
Remanso, município de 40,5 mil habitantes - segundo o Censo do IBGE - que fica
às margens do espetacular Rio São Francisco, seus dotes artísticos que mais
tarde lhe dariam uma carreira de SUCESSO. Caçula em uma família de 13 filhos e
batizado como Edmilson Evangelista de Souza, ele conta que desde pequeno
gostava de fazer essas pequenas apresentações e imitações para entreter
parentes e amigos, além de ouvir os causos contados pelos mais velhos. E o que
na infância era somente um passatempo, veio a lhe influenciar mais tarde como
produtor cultural.
"Ali na região do Rio São Francisco tem muitos velhos
que adoram contar mentiras. Eles aumentam contos que até mesmo o João Guimarães
Rosa retratou. E eles têm uma maneira muito peculiar de falar. Eu me lembro de,
ainda pequeno, imitar essas pessoas. E eu também adorava falar com os velhos,
contar essas histórias", recorda.
Contudo, foi em São Paulo - para onde veio, ao lado dos
pais, com 12 anos - que sua veia artística aflorou de vez. Vivendo entre a
capital e São Bernardo do Campo, um ainda tímido Caio começou um curso de
teatro na Bela Vista. As aulas ajudaram em sua adaptação a nova vida, lhe apresentaram
um novo mundo e não demorou para que seu talento fosse reconhecido. Pouco
depois de iniciar o curso, ele foi convidado para atuar em seus dois primeiros
espetáculos teatrais, além de participar de uma refilmagem do longa "A
Margem", do cineasta Ozualdo Candeias, que segundo ele foi extremamente
importante para a criação de sua consciência como cidadão.
O que começou como um passatempo logo se tornou algo sério e, na metade dos anos 1990, Caio já consolidava sua carreira como ator teatral na cena paulistana, participando de diversos espetáculos. Aliás, foi nesta época que ele passou a adotar o nome Caio - que hoje consta oficialmente em seus documentos de identificação, após interpretar um personagem chamado, coincidentemente, Caio Evangelista. Porém, a expectativa de sua família era que ele tivesse uma carreira, digamos, mais "tradicional". Filho de José Ribeiro de Souza, um político influente em Remanso que queria vê-lo formado em Direito, e de Rosalina Evangelista de Souza, o jovem Caio seguiu os conselhos dos pais e prestou vestibular para Direito, onde chegou à segunda fase, e para Comunicação, para qual foi aprovado, indo estudar na UNESP, em Bauru. O curso, entretanto, foi abandonado na metade, pois a vontade de seguir carreira no meio das artes foi mais forte. Pouco depois, ele ingressou novamente na UNESP, mas desta vez para cursar Artes Cênicas, graduando-se na segunda turma. Mais tarde, Evangelista viria a conquistar um Mestrado em Artes, Doutorado, um Honoris Causa e o título de Comendador das Artes e da Cultura. Enfim, ele trilhava o caminho que realmente queria. E que o traria a Mauá.
Amor por Mauá
Em 1997, Caio Evangelista chegou a Mauá para dar aulas nas
Oficinas Culturais. A cidade passava por uma transformação, com a eleição de
Oswaldo Dias para a Prefeitura, e a implantação do programa que visava levar
novas oportunidades aos jovens por meio das artes. Ainda estudando na UNESP,
Caio aproveitou as oportunidades que surgiram e os contatos feitos ao longo dos
anos para embarcar no projeto, sendo um de seus primeiros professores. Agora,
pouco mais de 25 anos após o início daquela jornada, ele avalia ter mudado os
rumos da cultura na cidade com seu trabalho.
"Eu fui um dos primeiros professores das Oficinas
Culturais e eu trouxe (outros) professores. O projeto das Oficinas Culturais,
que ao meu ver é o principal da cultura em Mauá, foi repaginado por mim. Eu
construí o projeto e o alcei. Formei os primeiros espetáculos e os grupos e
isso mexeu consideravelmente (com a cidade). Não fui só eu que fiz isso, mas
fui uma das peças mais importantes nesse processo", avaliou Caio, que
organizou espetáculos como as adaptações de "O Auto da Compadecida",
recorde de público, e “Capitães da Areia”, e a “Ópera Terra Pilar”, que também
fizeram grande sucesso com os espectadores. Além disso, ele esteve à frente de
projetos como o "Quartas Culturais", voltado para artistas locais, e
sempre buscou dar protagonismo a artistas oriundos de grupos minoritários,
especialmente a atores e atrizes negros.
Em paralelo ao trabalho nas Oficinas Culturais, Caio foi
fundamental na formação de um importante conjunto municipal: o Grupo Apolo de
Teatro, nascido no Jardim Zaíra, e que colocou muitos jovens da região em um
primeiro contato com o mundo do teatro. A coletividade, que possui uma profunda
ligação com o teatro de Bertolt Brecht, realizou apresentações em Mauá, no
Grande ABC e participou de festivais pelo Brasil e até mesmo no exterior.
Durante um período, Evangelista esteve ligado a muitas
iniciativas ao mesmo tempo, principalmente quando começou a se envolver na
política mauaense, o que posteriormente o levaria ao cargo de secretário de
Cultura. "Esse foi um momento muito tenso. Eu era muito novo e uma coisa
que aprendemos é sobre a vaidade. O artista é dotado de muito ego e vamos
criando questões que vão nos aprisionando. Porém, tudo ocorreu muito bem",
recorda-se.
Politicamente, Caio também galgou seu espaço na cidade,
chegando a se tornar secretário, após passar por diferentes funções. Sobre o
trabalho de um gestor, ele reflete. "Há uma grande confusão do gestor
público, quando nomeia alguém para a área que ele confunde arte com cultura.
Mas temos que separar, porque a arte faz parte da cultura, mas a cultura é um
todo muito grande. Precisamos ter um olhar para a cultura sem olhar para a
arte, porque ela é um dos meios de se expressar, mas a cultura não é a
arte".
Hoje, Caio reforça que o elo criado com Mauá é muito forte e difícil de ser quebrado. Por conta disso, mesmo atuando em novos projetos em outros lugares, a relação com a cidade é de muito amor e ele não pensa em abandoná-la. "Eu participei de um processo de ver Mauá entre uma cidade e outra. Hoje me orgulho e ouso dizer que não há nenhum projeto importante da cultura que eu não tenha participado diretamente".
Novos trabalhos
Conhecido e premiado por toda sua contribuição com o teatro,
Caio Evangelista não resume sua atuação artística somente aos palcos. Nos
últimos anos, ele expandiu seus horizontes aventurando-se na literatura e, mais
recentemente, no cinema.
Nas telonas, ele atuou em "O Vigilante" e em
"Sete Cidades e uma Vila Inglesa", filme que esteve, inclusive, no
circuito regional no ano passado e que é formado por uma série de curtas que se
passam em pontos turísticos de cada um dos municípios do Grande ABC e também na
Vila de Paranapiacaba.
Contudo, parte importante de sua imersão na sétima arte está
atrás das câmeras. Uma das irmãs de Caio é produtora cinematográfica e o
convidou a participar de uma sala de roteiro para uma nova obra, com os atores
Lucas Veloso e Arthur Aguiar. Depois desta participação, o diretor Fred Mayrink
o chamou para trabalhar na construção do longa, como roteirista. E ele pegou
gosto pela coisa, se aprofundando na nova área. Ao lado da irmã, ele já esteve
envolvido em três produções, e já prepara a quarta, da qual também é autor.
"Agora estamos fazendo outro, um filme todo feito por
mim, com história minha, chamado 'Espelho Côncavo', que conta a história de um
artista envolvido na luta política e que fica dividido entre a mulher, o filho,
a arte e a política, e quando ele olha no espelho, ele vê as coisas
configuradas de uma forma diferente. E traz na ambientação uma coisa do Brasil
extremamente polarizado", contou.
Quanto a literatura, Caio possui quatro obras publicadas. Em
"Teatro Empírico da Outra Margem do Rio", seu primeiro livro, ele
retrata sua história a partir dos três importantes rios que fazem parte de sua
trajetória: o São Francisco, o Tietê e o Tamanduateí. "Foi um exercício,
não tinha pretensão alguma de ser escritor", admitiu. Essa visão,
entretanto, mudou quando ele decidiu escrever um segundo livro, buscando
trilhar um caminho literário dentro do segmento de realismo fantástico. Assim
surgiu "Carta aos Capadócios". A terceira obra, chamada "O
Filtro dos Sonhos", é ambientada nos anos 1960 (era que Caio diz amar) e
fala sobre um jovem que vai aos Estados Unidos e ao voltar ao Brasil, sai em
busca do pai e descobre seu envolvimento com a política da época. O livro foi
produzido em cerca de quatro meses, quando morou na terra do Tio Sam para
estudar. Já seu último livro, "Os Negos do Outro Lado", fala sobre as
questões sociais que afligem o Brasil atualmente e sairá pela Tocalivros em
audiobook em agosto. Além disso, um quinto livro já está pronto, mas Caio
prefere ainda não dar detalhes sobre a obra.
Mesmo com todo o trabalho cultural e político que já
produziu, Evangelista segue buscando representação em novos campos.
Recentemente, ele completou a graduação em Direito, seguindo assim o desejo de
seu pai e uma vontade própria que cresceu dentro dele ao longo dos anos. E para
o futuro, ele quer seguir engajado politicamente por entender que é possível
atuar na área, mesmo sem ocupar cargo eletivo, por meio dos debates públicos
que envolvam diferentes segmentos, inclusive a cultura, onde ele é bastante
atuante. Atualmente, ele faz parte de um Grupo de Trabalho da Lei Paulo
Gustavo, auxiliando as cidades a criar seus planos e projetos para angariar
recursos junto à União para o setor. "Não tenho pretensão de ser vereador
e acho que posso dar uma contribuição melhor à cidade. Mas quero e com certeza
participarei do processo político. Não é necessário você ser eleito com votos e
ocupar um cargo eletivo. É um grande ganho participar desse processo e disso
não abro mão. Estarei aí opinando, criticando quem tiver que criticar e apontar
horizontes".
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